quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O arco, a serpente e a luz que atravessou a pedra

Se soubesse de onde eu vim, não me sorria

(...)

Agora que sabe, tem medo de mim

Mas no seu lugar, eu também teria

Mc Tha & Jaloo

A verdade nos lábios e a espada afiada cortando as espumas do ar.

Demasiada neblina ao amanhecer.

No rosto de Claudinha a violência que se confunde com a esperança.

A doce verdade nos lábios e o que é justo aqui: gritando e gemendo neste vale de lágrimas.

Come-e-Dorme com grave ferimento no olho.

Lari pinga o colírio e reza.

Que o vento leve hoje todo o ontem e algo do amanhã.

A verdade nos lábios e a espada afiada cortando as espumas do mar.

Na montanha mais alta a morte e os vaga-lumes dançam e brincam com a neve.

Tempo trabalha, corta a carne e as artérias de um corpo que grita e geme.

A voz de Milton inunda a casa.

Assucena quase chora.

Luís semeia a lua amarela e sorridente.

Que o vento corra daqui esse sentimento ruim e sádico.

Que o vento corra daqui essa insanidade masoquista.

Que o vento traga outra vez o sol, a lua e as estrelas.

Tudo cheira à água de eucalipto.

Na montanha mais alta me inclino ao recordar tia Tânia.

Sua alegria, sua energia e seu amor ao dizer à Alice:

A tia vai ficar boa pra brincar com você.

Bastou isso para fixar agradável memória entre pontes e pontes.

E águas de rios correndo entre prédios e prédios e teias de asfalto.

A verdade nos lábios e as saudáveis maneiras de machucar alguém.

Havia muitas cercas de arame farpado.

Mas a morte e os vaga-lumes sempre terminam por cruzar qualquer cerca.

Os olhos de tia Tânia nos olhos de Alice.

Os olhos de tia Helma nos olhos de Alice.

A doce e violenta verdade nos lábios.

A doce e delicada e violenta verdade nos lábios.

O som das tanajuras caindo dos céus.

O som dos passos desta senhora que chamamos Morte.

O vento tangendo pensamentos.

O vento tangendo sentimentos.

O vento tangendo resquícios de um sonho incompreensível.

Na casa de um amigo de infância.

Meu único amigo ali era a casa.

Cheia de rachaduras e infiltrações.

Como meu próprio corpo desabando no corpo do abismo.

Tempo trabalha na longa longa duração.

O sol, a lua e as estrelas giram.

Lari reza e pinga o colírio.

Lavo os olhos com mel.

Três vezes choro no túmulo de Ian.

Recordo tio Edson ao olhar as nuvens.

Gabi me ensina sobre o ódio e sobre a necessidade de estar aqui.

Ainda que aqui seja uma casa cheia de rachaduras e infiltrações.

É a única que tenho. É o corpo que sou. É o lugar onde habito.

E a estrela que me habita ainda não morreu.

E a lua que me habita ainda possui suficiente ternura.

E o sol que me habita lança serpentes de fogo 

que acendem a pedra delicada onde repousa minha dor...


nuno g.

Toróró, 22/02/24.

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