Se soubesse de onde eu vim, não me sorria
(...)
Agora que sabe, tem medo de mim
Mas no seu lugar, eu também teria
Mc Tha & Jaloo
A verdade nos lábios e a espada afiada cortando as espumas do ar.
Demasiada neblina ao amanhecer.
No rosto de Claudinha a violência que se confunde com a esperança.
A doce verdade nos lábios e o que é justo aqui: gritando e gemendo neste vale de lágrimas.
Come-e-Dorme com grave ferimento no olho.
Lari pinga o colírio e reza.
Que o vento leve hoje todo o ontem e algo do amanhã.
A verdade nos lábios e a espada afiada cortando as espumas do mar.
Na montanha mais alta a morte e os vaga-lumes dançam e brincam com a neve.
Tempo trabalha, corta a carne e as artérias de um corpo que grita e geme.
A voz de Milton inunda a casa.
Assucena quase chora.
Luís semeia a lua amarela e sorridente.
Que o vento corra daqui esse sentimento ruim e sádico.
Que o vento corra daqui essa insanidade masoquista.
Que o vento traga outra vez o sol, a lua e as estrelas.
Tudo cheira à água de eucalipto.
Na montanha mais alta me inclino ao recordar tia Tânia.
Sua alegria, sua energia e seu amor ao dizer à Alice:
A tia vai ficar boa pra brincar com você.
Bastou isso para fixar agradável memória entre pontes e pontes.
E águas de rios correndo entre prédios e prédios e teias de asfalto.
A verdade nos lábios e as saudáveis maneiras de machucar alguém.
Havia muitas cercas de arame farpado.
Mas a morte e os vaga-lumes sempre terminam por cruzar qualquer cerca.
Os olhos de tia Tânia nos olhos de Alice.
Os olhos de tia Helma nos olhos de Alice.
A doce e violenta verdade nos lábios.
A doce e delicada e violenta verdade nos lábios.
O som das tanajuras caindo dos céus.
O som dos passos desta senhora que chamamos Morte.
O vento tangendo pensamentos.
O vento tangendo sentimentos.
O vento tangendo resquícios de um sonho incompreensível.
Na casa de um amigo de infância.
Meu único amigo ali era a casa.
Cheia de rachaduras e infiltrações.
Como meu próprio corpo desabando no corpo do abismo.
Tempo trabalha na longa longa duração.
O sol, a lua e as estrelas giram.
Lari reza e pinga o colírio.
Lavo os olhos com mel.
Três vezes choro no túmulo de Ian.
Recordo tio Edson ao olhar as nuvens.
Gabi me ensina sobre o ódio e sobre a necessidade de estar aqui.
Ainda que aqui seja uma casa cheia de rachaduras e infiltrações.
É a única que tenho. É o corpo que sou. É o lugar onde habito.
E a estrela que me habita ainda não morreu.
E a lua que me habita ainda possui suficiente ternura.
E o sol que me habita lança serpentes de fogo
que acendem a pedra delicada onde repousa minha dor...
nuno g.
Toróró, 22/02/24.
Espero "que o vento traga outra vez o sol, a lua e as estrelas" : )
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