Sonhei com uma guerra infinita.
As sete espadas forjadas por um ferreiro africano.
E a voz e os dedos e o desespero implacável de meu avô.
Sonhei com a sabedoria dos bêbados e a cegueira dos assassinos.
Só em deus a luz translúcida.
Só em deus a pura escuridão amorfa e indefinida.
Aqui, tudo é rio e em todo rio a água se turva.
Se mistura a todos os líquidos e corre em direção ao mar.
A única exceção é essa cidade.
Onde o rio corre ao contrário e os sonhos nos possuem acordados.
Sonhei e entre o temor e a veneração depositei meus joelhos ao solo.
Curvei minha cabeça ante as nuvens.
E esperei o tempo da Serpente e da Árvore.
Anunciarei uma vez mais a promessa e o dilúvio.
Escrevi um palimpsesto breve.
Sobre coisas que nunca aconteceram.
Sobre livros de areia e garatujas indecifráveis.
Sonhei com uma guerra infinita.
Com o alcoolismo inevitável de verdades e espinhos.
Saltando sobre a saudade de meu avô.
Sonhei com lírios brancos acesos entre outras ervas.
E com cachoeiras anteriores a meu nascimento.
Amanhã será outra vez tempo de festa.
As sete flechas forjadas por um ferreiro africano.
Eram também os sete raios da anunciação.
Agora é tempo de descansar.
Lavar os pratos, cuidar da limpeza dos lençóis, cozinhar bem os alimentos.
Enquanto a Serpente e a Árvore vão movendo os sedimentos.
Abrindo túneis entre o Nada e o Nada.
Sob a terra, luz e escuridão se amalgamam.
E todos os rios na fervura de meu sangue.
Sonhei com os olhos em brasas do Jaguar.
Olhando a lua.
Olhando o rio.
Olhando o Trono forjado pelo ferreiro africano.
Amanhã será outra vez festa de Tempo.
Amanhecer de carnes e incensar de ossos.
O que é meu e o que é do mundo.
Unidos e separados.
Como o que é homem e o que é cavalo.
Nos centauros da Tessália.
O que é meu e o que é do mundo.
Nessa guerra sem trégua de sonhos e túmulos de azulejos azuis.
Nessa praia de gaviões onde avistei o horizonte.
Flechas, espadas e arcos coloridos.
No interior profundo da mata sombria trabalha um ferreiro africano.
E, aos seus pés, curvo minha cabeça em devoção.
nuno g.
Toróró, 17 de dezembro de 2023.
Para a Folhinha?
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