domingo, 10 de dezembro de 2023

a dor que habito - canção de fim de ano.

Haverá um tempo em que tudo será diferente.

Não será amanhã, nem depois de amanhã.

Não haverá mais luto no coração da pedra.

E as nuvens poderão descarregar os sonhos que guardam.

Haverá um tempo em que todos os temores serão imaginários.

Não será amanhã, nem depois de amanhã.

E nós que aqui estamos não mais aqui estaremos.

Mas nossas sombras e nossas sedes e nossas fomes seguirão presentes.

Haverá um tempo em que tudo será distinto.

E a palavra encontrará seu próprio eco.

Assim como hoje o escuro encontra o escuro.

Haverá um tempo em que luz será uma metáfora gasta.

Não será amanhã, nem depois de amanhã.

Os raios abençoarão a terra.

Destruirão os castelos.

E as crianças se banharão nos rios outra vez.

Haverá um tempo em que os periódicos serão substituídos por poemas.

E que traduzir lágrimas será considerado algo honrado e honesto.

A justiça deixará de ser o que é agora.

E o conhecimento dará passagem à Sabedoria.

Velha senhora, amiga-irmã da morte.

E, de mãos dadas, as duas caminharão pela cidade vazia, esgotada.

Dezembro, às vezes, é o primeiro mês do ano.

Mas também é o tempo em que ardem com mais intensidade as feridas.

Haverá um tempo em que olhar para trás será mais que um mero exercício aeróbico.

E que o horizonte estará mais próximo do alcance de nossas línguas.

Haverá um tempo em que os sonhos nos guiarão pelo mundo.

Que o vento da tempestade varrerá com força nossa cegueira.

Nos sentaremos à mesa e comeremos o que nossas próprias mãos prepararam.

Haverá um tempo em que árvores e presépios tornarão a ter sentido.

E a Sabedoria, velha senhora, amiga-irmã da morte.

Vestida de roxo e de realidade.

Nos abraçará como se a dor nunca tivesse sido nossa primeira e única habitação.


nuno g.

Toróró, 10 de dezembro de 2023.

6 comentários:

  1. Que belas palavras, parece uma fagulha de esperança que se desenha lá no horizonte distante. Se conseguimos passar esses dezembros... tempos "em que ardem com mais intensidade as feridas"...

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  2. Nuno , recebi seu presente do passado, todo prenhe de futuro ! Recebi por e-mail, e retomo o gesto de saudação e amizade à distância por aqui.

    Abraço forte,

    Cristiano VIANNA (Kiko)

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  3. Sua poesia me remete a uma linda música de Gonzaguinha " Ontem um menino que brincava me falou que hoje é semente do amanhã..." Quero jogar semente que possam germinar coisas maravilhosas no futuro... Beijim

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  4. Uauuu Nuno!! Que linda poesia, digo que é linda pela força e leveza de um sonho real. "Dezembro, às vezes, é o primeiro dia do ano" essa bateu, porque esse verso nos abre um leque de infinitas possibilidades, sela o fim do temor que temos em acabar a tempo, sela o próprio fim, porque viver é um eterno começo. Maravilhoso Nuno

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