Hermenegildo passou antes do sol nascer.
Sua silhueta a cavalo recortou a paisagem.
Me deu bom dia com voz de rio.
Hermenegildo, perfumado de alecrim e azeite.
Com seus olhos de facão e foice.
Abrindo o caminho de volta à terra arrasada.
* * *
Hermenegildo passou e o sol nasceu.
Sua voz de rio estancou ante meu amanhecer.
E com as ferramentas suas fui abrindo o caminho.
Hermenegildo me soprou um silêncio frio.
E me apontou com o olhar as três Marias ainda no céu.
Outra vez a hora de inventar um dialeto para bendizer.
* * *
Reza em mim que eu te perco da salvação.
Judite e Adélia cruzaram o caminho.
Alguém serviu um prato de comida aos deuses e outro aos cães.
A lua, minguante e terna, desapareceu atrás da serra.
Reza em mim que eu te salvo da perdição.
Sonhei com o sal, o mar, a sede e o corpo de Larissa.
Ela estava mais velha e eu ainda era um menino.
Nossas Marias haviam seguido viagem.
E nossos corpos celebravam todas as passagens.
* * *
Reza em mim e chove que essa seca já muito tarda.
Hermenegildo pronunciou o nome de Miguel sobre os maturis.
O rio está bonito hoje - na voz noturna de Larissa o tempo girou ao contrário.
Amanhã nossas Marias estarão juntas novamente.
Nas matas sombrias e no esverdeado coração das águas.
* * *
Suportar a dor extenuante.
Abraçar as brasas que não se extinguem.
Reza em mim e o sol se fará dicionário para a cura e para a morte.
* * *
Reza em mim e me rega com fogo.
Todas as estrelas no olhar de Hermenegildo.
Sonhei com Larissa coberta de sal e vestida de azul na praia do Montecristo.
Envelheci tanto que me tornei mais jovem do que o dia em que nasci.
O tempo se enrodilhou nos seus cabelos encaracolados.
Semeou serpentes e arco-íris entre eles.
E um vento de quarta-feira nos recordou nossas Marias.
* * *
Sentamos numa pedra.
Avistamos o Gavião.
Reza em mim e será como se me rezares eternamente.
nuno g.
Toróró, 13/12/2023.
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