quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Eliana e as onças

Eliana suicidou.

Ou como dizia Raimundo,

distraída que era saiu de casa pela janela.

Prefiro acreditar que conseguiu voar.

Trazia no sangue o sangue das onças.

Eu sei quando as ouço cantar.

Eu sei quando as vejo em procissão.

Acendo os vaga-lumes.

E não esqueço.

Eliana suicidou.

E quando em súplicas lhe atribuíram milagres.

Voltaram a violentá-la.

Crucificada outra vez como o índio de Chiapas.

De quem retiraram a infância para ter um Cristo à imagem e semelhança.

Os azulejos azuis, outra violência.

A ausência à lápide, mais violência.

O rosto tão branco quanto o leite.

E a voz das onças pousada ao ombro.

Subindo e descendo a escada espiralada.

Acendo os vaga-lumes.

A vela aos mortos e aos suicidados.

O vento entra.

É primavera.

Da janela: o juazeiro, a jurema, o dendê.

Ou como diria Raimundo,

a trindade vegetal.

Prefiro acreditar que conseguirei voar.


nuno g.

Toróró, 23/09/20

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