Eliana suicidou.
Ou como dizia Raimundo,
distraída que era saiu de casa pela janela.
Prefiro acreditar que conseguiu voar.
Trazia no sangue o sangue das onças.
Eu sei quando as ouço cantar.
Eu sei quando as vejo em procissão.
Acendo os vaga-lumes.
E não esqueço.
Eliana suicidou.
E quando em súplicas lhe atribuíram milagres.
Voltaram a violentá-la.
Crucificada outra vez como o índio de Chiapas.
De quem retiraram a infância para ter um Cristo à imagem e semelhança.
Os azulejos azuis, outra violência.
A ausência à lápide, mais violência.
O rosto tão branco quanto o leite.
E a voz das onças pousada ao ombro.
Subindo e descendo a escada espiralada.
Acendo os vaga-lumes.
A vela aos mortos e aos suicidados.
O vento entra.
É primavera.
Da janela: o juazeiro, a jurema, o dendê.
Ou como diria Raimundo,
a trindade vegetal.
Prefiro acreditar que conseguirei voar.
nuno g.
Toróró, 23/09/20
que bonito, Nuno! me tocou...
ResponderExcluirnão tinha lido ainda...