sexta-feira, 2 de outubro de 2020

poesia.

Porque assim como há fantasmas que parecem remédios, 
assim há remédios que parecem fantasmas. 
Cousa notável, que o mesmo que lhes metia medo como perigo, 
os livrou da tempestade como remédio.
Padre Antônio Vieira

chegou aqui e mergulhou o que sou nas águas do silêncio.
sobreviverei a isso e esse é meu único temor real: meu único medo que não é imaginário.

não quero mais estar aqui, faz tempo.
a minha vida foi sempre uma luta corporal contra o luto, estou exausto.

tenho tanto apreço pelos meus contemporâneos quanto os vampiros ao alho.
eles só querem que isso passe, eu só quero ir à grande Aldeia.
nada nos une, nenhum nó nos ata.

nos próximos dicionários deveria se escrever dinheiro onde se lê alma.
não creio em amor, creio em Maria - ela também veio do que antecede o nada.

tem gente que escreve com palavras.
só sei escrever com as vísceras.
e quando escrevo silêncio, águas, mata, 
é uma forma de orar.
é uma vela amarela que acendo.
é um pedido que faço.

não quero ser condenado a sobreviver ao fim do mundo.
com ter que ser e estar entre meus contemporâneos é uma punição que já basta.

os que me pensam pessimista estão longe.
os que não me pensam quase me agradam.

quando escrevo serpente invoco o veneno que ao parecer remédio é fantasma.
quando escrevo nada o que quero dizer é tempestade.

nuno g.

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