domingo, 20 de setembro de 2020

As onças – lição do Jaguaribe

O que eles não sabem é que elas não morrem.

Nem o fogo da cidade branca.

Nem a arma esmaltada e bandeirante.

Nem o hálito pode.

O que eles não sabem é que um dia chove.

E que eles sim morrem.

No Icó tem uma casa encarnada.

O vermelho dela não é tinta.

É sangue de menstruação.

É sangue de sussuarana.

O que eles não sabem é que seus automóveis são uma extensão.

Que seus sonhos de Miami são uma triste reedição.

Dos antigos sonhos dos bárbaros de além-mar.

Sem a valentia. Sem a inocência. Sem a coragem dos primeiros.

O que eles não sabem é que seus apartamentos.

Só servem ao vôo dos gaviões.

Que ao se chocarem contra o chão.

Enfiam olhos adentro a sífilis a gonorreia e a solidão.

Lhes devolvem as escaras do tempo.

E gritam não.

O que eles não sabem é que onças reencarnam.

Eles não.

No Icó tem uma cabeça de touro enterrada.

A maquiagem do shopping não desfaz a escuridão.

Poconé e Araguaia: ódio e salvação.

O que eles não sabem é que onça canta.

Assobia, tripudia, ora.

Tem onça que é de Iemanjá.

Tem onça que é de Iansã.

Tem onça que se basta em sua primitiva santidade.


nuno g.

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