para João de Moraes
acumulei tantos não-saberes
que quase me afoguei na pia de batismo
figuras de linguagem são indomáveis
como onças no cio
ou os paralelepípedos dessa cidade
havia uma pedra no coração da praça
e um acarajé de realidade brilhando no sol ao meio-dia
certa feita um galo escapou de seu quintal
figuras de fé são indomáveis
estilo e sorte não são coisas que se entregam facilmente
certa feita à calçada da Igreja você disse coisas que parecem com coisas
retorcidas são as raízes em sua busca às águas
sempre haverá um destino onde houver uma flecha
figuras de promessas são indomáveis
desacumulei tantas não-ciências
que quase me afoguei na imensidão dessa cidade
como quando você abriu o arquivo
afagou a marca da cirurgia
e tornou ao reino das coisas vivas
que parecem com coisas extraídas de pedras retorcidas
calçadas de igrejas e galos em perpétua fuga
depois da morte sempre outra morte
depois do medo o labirinto do imaginário
o que eles chamam de fábula
nessa cidade é vida, sonho e revelação
poderia ser uma feira de mercadores na áfrica
ou um barco de navegantes gregos
mas é essa cidade
inteira, íntegra, indomável
como uma cicatriz desenhando a geografia de uma cabeça
nossos mortos são indomáveis
assentamento é uma força que só os rios conhecem
quando a pele vem à flor dos nervos
a noite chega
com seus ventos e suas vísceras
e vai apascentando seus filhos
como se o anjo nunca tivesse nos abandonado
como se as lâminas e as memórias da guerra nunca tivessem se dissolvido
na sua casa, feita de pedra e terra vermelha,
haverá sempre algo não nos deixando esquecer
que todo abrigo é indomável
como uma sussuarana no cio
ou como uma estrela rebelde que abandonou definitivamente os subterrâneos...
nuno g.
Toróró, quinta-feira, 10 de agosto de 2023.
A sua poesia me intimida um pouco, é extraordinária. Me sinto a obviedade em pessoa, rs. Bj
ResponderExcluirIndomável, vc
ResponderExcluirLi e reli o poema. Li alto e a sonoridade das palavras me impulsionava a acreditar que a linguagem não é uma realidade, mas uma forma de reinventá-la em cada um de nós. Certamente esse é um dos mais belos poemas que eu li nos últimos tempo. Obrigada, Nuno
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