Há umas horas na noite,
Horas sem nome e sem luz,
Horas de febre e agonia
Como as horas de Maria
Debruçada aos pés da cruz.
Tredos abortos do tempo,
Cadeias de maldição,
Vertem gelo nas artérias,
E sufocam, deletérias,
Do poeta a inspiração.
Nessas horas tumulares
Tudo é frio e desolado;
O pensador vacilante
Julga ver a cada instante
Lívido espectro a seu lado.
Quer falar, porém seus lábios
Recusam-lhe obedecer,
Medrosos de ouvir nos ares
Uma voz de outros lugares
Que venha os interromper.
Se abre a janela, as planícies
Vê de aspecto aterrador;
As plantas frias, torcidas,
Parece que esmorecidas
Pedem socorro ao Senhor.
As charnecas lamacentas
Exalam podres miasmas;
E os fogos fosforescentes
Passam rápidos, frementes
Como um bando de fantasmas.
E a razão vacila e treme,
Coalha-se o sangue nas veias,
Mas as horas sonolentas
Vão-se arrastando cruentas
Ao som das brônzeas cadeias.
Oh! essas tremendas
Tenho-as sentido demais!
E os males que me causaram,
Os traços que me deixaram
Não se apagarão jamais!
Fagundes Varela
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