Quando abri os olhos
já era tarde:
o céu já havia caído
e o buraco já estava lá
– cinzas, ossos,
perfume & seda –
era tudo que restava
um rio calado, uma cidade enfadada
– cílios de arame farpado –
na boca até o mel
sabendo a amargo...
quando abri os olhos
os mortos já estavam
mortos
o fogo já em estado
fátuo
– alma tem tempo
próprio
se demora pra
assentar coisas de dentro
limpar os trastes,
arrumar a casa
se desfazer das
tranqueiras
jogar fora o lixo
acumulado nas entranhas
– alma vive longe
é a víscera que
quando inflama canta
é o jardim que floresce
quando machucado...
quando abri os olhos
esses cílios de arame
farpado já estavam aqui
– cinzas, ossos,
perfume & seda –
era tudo que restava
onça ainda cantava
pedra ainda ensinava
e distante daqui,
bem distante
corria um rio que
ainda marulhava
respirava uma cidade
que ainda dançava
&
embora fosse tarde
o céu já tivesse
caído
e o buraco no peito
fosse irremediável
havia um menino que
paria borboletas
tinha na
pele todas as idades
e insistia em brincar
de
– com escaravelhos & estrelas –
construir escadas
que
invariavelmente
levariam outra vez
ao nada de sempre...
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