Não sei onde anda a cigana de Araci.
Nem aquela outra que me falou da morte de Ian.
Menos ainda dessa terceira que me vendeu a figa de Assucena.
Segui a cobra verde no caminho dos sonhos.
Ela me levou até um açude onde vi meu rosto refletido com precisão.
Foi tecendo minhas rugas por toda a noite.
Enquanto meu envelhecimento se fazia evidente.
Certa tristeza muito antiga pairava na atmosfera.
Certo descontentamento muito intenso rugia no campanário.
Adormeci e sonhei com o menino Azul e os sete escravos.
Senti medo, muito medo.
Senti frio, muito frio.
Despertei em meio à neblina.
Trazia um anel de prata no dedo.
E dóis sóis onde antes olhos.
A filha da Serpente ao meu lado.
O filho do Ferreiro e a suave memória de um sonho antigo.
Que não posso narrar.
Que não tenho permissão de narrar.
Não sei por onde andam as três ciganas.
Segui a cobra verde no caminho dos sonhos.
Outra vez até o noturno açude onde se refletia meu rosto.
E o tapete tecido com minhas rugas.
Adormeci e sonhei com o menino Azul e os sete escravos.
Vento frio ao amanhecer.
Mais que medo, angústia e algo de desespero.
Neblina e uma pedra no coração.
Anel de prata no dedo.
A filha da Serpente // O filho do Ferreiro.
A canoa subindo lentamente o rio.
O velho, o elefante e todas as minhas esperanças junto a eles.
Como no dia em que choveu grãos de milho branco sobre as águas.
Como no dia em que choveu grãos de milho branco sobre a cidade de espinhos e estrondos.
Uma senhora vestindo roxo abriu as mãos.
Havia sal e lama entre as linhas de suas palmas.
Um breu branco se instalou no tempo.
Hermenegildo passou trotando em seu cavalo.
Erguendo a poeira do chão.
E abrindo caminho para a chegada da lua de Wesak.
Forjada nas matas sombrias com a luz do ferro e a espada da compaixão.
nuno g.
Toróró, 23 de abril de 2024.