para Nuno Guedes Pereira
muitas e muitas vezes só desejei teu colo
ou uma morte suave e delicada como o beijo do inimigo
o que é o mesmo dito com outras palavras
muitas e muitas vezes cruzei as ruas da cidadela
entre ventos, poeira e raios de sol
a alça do caixão à mão direita
ou esse nome pesado sobre a coroa de meu destino
o que é o mesmo vivido com outros gestos
muitas e muitas vezes enterrei meu pai
entre as teias de aranha suspensas no quadro da sala
ou entre as dobras do redemoinho do esquecimento
o que é o mesmo pintado com outras cores
muitas e muitas vezes beijei a boca da insônia
e cavalguei no alazão acinzentado
como se soubesse que ao fim da estrada
me aguardava uma borboleta dourada
um menino com nome de archanjo
e a terra fria onde repousariam minhas densas carnes
tantas vezes escutei o cantar dos galos e o soar dos sinos prateados
e olhei com olhos de açoite o azul do céu
ouvindo o crepitar da lenha à ação do fogo
aqui meus guias em força e luz
e minha sina de ser sempre firme sobre todas as coisas
caminhar às águas ou ascender aos céus
o que é o mesmo pronunciado em outra língua
muitas e tantas vezes só desejei o sono
e não ter que nunca mais enterrar meu pai
sob o fundamento onde o mistério deitou raízes
ásperas, severas, inesgotáveis.
nuno g.
Toróró, 10 de fevereiro de 2022.
Ainda és o velho jaguar rugindo versos de se escutar de longe, camarada! Belo, delicado e forte como uma adaga prateada e afiada na pedra da memória ancestralesca.
ResponderExcluirVocê é foda, Nuno!
ResponderExcluirA última palavra desse poema diz muito sobre as mortes, as dores, as ausências, as presenças , as angústias e os desejos de versar.... inesgotáveis
ResponderExcluirAtotô
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