terça-feira, 9 de novembro de 2021

Caminhos de sal

Existe um panteão esquecido pedindo passagem
Aracati / Quixeré / Feiticeiro
Sete flechas em meu corpo-encruzilhada
Se afogando na quentura de um sol radiante
Que não para de sangrar
A senhora de todas as ciganas tangeu os eguns que bailavam ao meu lado
Treme a terra / Geme o mar
Todos os santos / Todos os mortos
E como os bois de antanho subiram o leito do rio ao som do aboio
Sem esperança de chegar a algum lugar
Existe um panteão esquecido pedindo passagem
Aracati / Quixeré / Feiticeiro
Sete flechas em meu corpo-encruzilhada
Se afogando numa sombra que não para de bailar
Subindo o leito esturricado do rio em direção à vila do Icó
O corpo de tua mãe se redobrando pra dentro
Só tu se reconhecendo nestes retorcimentos tão íntimos
E não foi ela que com suas mãos alimentou a fome dessa cidade?
E não foi ela que carregou dentro nosso rio de sangue?
Hilda lavou os búzios lambuzados de mel
E abriu os caminhos do entendimento do escuro
Ainda sob a proteção do Amarelo e do Azul
Quando ela dança no arco-íris eu morro
E essa violência perpétua dos nomes me abrasando antes de qualquer chuva
Okê Arô -- sim, caçador, só temos uma flecha
Dai-nos firmeza e pontaria para atravessar estes caminhos de sal
Existe uma onça uivando no horizonte de calcário
Dai-nos fé e amor para escutarmos a voz que vem do outro lado.


nuno g.

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