terça-feira, 26 de setembro de 2017

fotografia perdida

O seu nome era Heitor: tinha apenas um ano de idade.
Ela se chamava Maria: tinha dois.
A mãe dele se chamava Laís: regressava de um naufrágio.
Yo – el papá de Maria – também.
O ano era 2015: primeiro semestre – mas isso não tinha a menor importância.
As universidades estavam em greve – mas isso também não tinha nenhuma importância.
Almoçamos em Bendegó: pirão com buchada de bode.
Trocamos o óleo do carro em Salgueiro e quando passamos da entrada do Cedro já era noite.
Heitor ia pro Brejo Santo.
Maria pra Russas.
Laís trazia um machucado por dentro.
Eu também.
Claudio nos aguardava no Crato:
com um abraço
redes da Jaguaruana
e uma cerveja gelada.
Um vaga-lume tocando pífano
– seu nome, Aniceto –  
iluminou a placa que sinalizava a fronteira.
Parei o carro
tiramos uma foto
os quatro.
Heitor dormia.
Maria perguntou:
Papá, isso aqui é que é o Ceará?
Respondi:
Não filha, o Ceará é tudo que tem dessa placa pra lá.
Subimos a chapada.
Cruzamos a floresta.
Recebemos o abraço do Claudio.
Tomamos a cerveja gelada.
E recolhemos nossas canseiras às redes.
Ao amanhecer Heitor seguiu viagem: abocanhado à teta de Laís.
Maria acordou.
Comeu uma fruta.
Fez um carinho no Basquiat e disse:
Ah papá, agora que eu entendi, aqui sim é o Ceará né, aqui é onde o mundo começou!
Nunca mais soubemos de Heitor.
Nunca mais soubemos de Laís.
E aquela fotografia que nunca chegamos a ver
foi a única oração que as mãos de Claudio não puderam salvar do esquecimento...

nuno g.
Br 116 Km 80

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