terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

sonhos da vida toda

sonhei com um banquete, um banho de rio e com pessoas insuportáveis

(muitas pessoas insuportáveis)

sonhei com cárceres onde eu ficava aprisionado por engano

e amaldiçoei despertar antes de saber como era minha vida de prisioneiro

sonhei com perseguições implacáveis, assassinatos se desdobrando em outros assassinatos

e com a carta do diabo, da morte e do enforcado

sonhei com todas as mentiras que me soterraram a infância

e com a sucessão de pessoas insuportáveis que se satisfaziam sendo ainda mais insuportáveis

atravessei todos esses sonhos como um fantasma atravessa uma parede de vidro

sabendo que do outro lado da redoma existe um jardim povoado de pássaros

onde fascistas não conseguem respirar

onde mentiras não florescem

onde o silêncio só se rompe quando a palavra é necessária

sonhei milhares de sonhos se transmutando em poemas

sonhei com todos os passos do longo caminho da mediunidade

sonhei com o amor e a promessa e a chuva

sobre os campos de ervas e pedras sonâmbulas que guardam a história do mundo

sonhei com as mãos da insônia insistindo em agarrar a fumaça dos cigarros

e com os poemas eróticos que nunca cheguei a escrever

sonhei com o parque rio branco, com a praia de iracema antiga

e com navios de guerra e pirataria

sonhei com ondas esverdeadas como o lodo ou a esmeralda

e despertei na primeira noite de lua cheia depois do alinhamento dos planetas

era quase-março e eu estava quase-vivo

raios de sol escorriam do meu nariz

e a esperança verde seguia passeando solitária na cozinha de minha casa

sonhei com Cruz & Sousa, Augusto dos Anjos e Álvares de Azevedo

e fiquei extático ante o fogo como se nada na vida fosse outra coisa que não matéria sonhada

sonhei com punks caminhando na estrada

e com o suave movimento de uma relva que amanhece antes mesmo de nascer

antes mesmo de nascer...


nuno g.

Toróró, 11 de fevereiro de 2025.

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