Para Stella
Díaz Varín y Leopoldo María Panero
carrego em mim dez mil livros
e tenho uma só vida para escrevê-los
a morte me morde os calcanhares
– isso não é nenhuma novidade –
tem sido assim desde que completei dezenove meses de
existência
escrevo como minha vó se despedia
como quem se vê por última vez
como quem sente as mordidas da morte nos calcanhares
como quem escuta o ranger de dentes da senhora
Caetana
como quem já amou e já aprendeu que o melhor
sinônimo do amor é a crueldade
escrevo como quem escreve um testamento
tenho uma filha linda
e sonho que tudo que escrevo fará parte de sua deseducação
sentimental
cada dia escrevo mais
cada dia escrevo melhor
e sonho que tudo que escrevo chegue aos olhos dela
um dia
como stella, a víbora eterna
não poderia deixar meus mortos em paz
muito menos os vivos
nem pretendo que me deixem descansar em vida
muito menos depois de morto
como leopoldo, o sempre louco
escrevo como quem se droga
não suporto as intensas crises de abstinência quando
tento parar
e há muito tempo descobri que o melhor da vida
são os vícios
tenho uma filha linda
uma ex
escrota que me enche o saco
e uma linda esperança verde que mora na minha
cozinha
mas nada disso é suficiente
nada é suficiente
quando se tem em si todos os sonhos do mundo
quando se tem dez mil livros dentro de si
e só uma vida para escrevê-los...
nuno g.
cachoeira, 30 de agosto de 2017 do ano da graça de nosso senhor jesus cristo.
Por falar em mil livros para escrever, nem vi aquele que vc lançou no Crato. Eu quero!
ResponderExcluir