quando o colar arrebentou e entendemos que estávamos crescendo
e entendemos que mais um ano estava findando
e entendemos tudo que havia para entender naquele instante
faz tempo, muito tempo
que o colar de âmbar arrebentou e exigiu de nós a estranha firmeza dos dezembros
apesar de não ser dezembro, apesar de nada recordar o natal
apesar de toda a vice-reinal burocracia que sustenta o mundo
apesar da infernal burocracia que se interpõe entre o ser e o vir-a-ser
faz tempo, muito tempo
que o colar de âmbar arrebentou
recolhemos cada pedra, fizemos a feira, compramos guloseimas
comemos churrasquinho na porta do super
com farofa e vinagrete
e foi como se comêssemos nuvens de algodão e minerais
e foi como se talhássemos o futuro
e tudo o mais que teríamos que atravessar até que dezembro se tornasse passado
com todos os seus mortos e todas suas memórias de mortos
estávamos no supermercado são paulo
compramos pães, carne, cuscuz e tapioca
você andava num carrinho acoplado ao carro do supermercado
do outro lado da rua a casa da cultura
no céu um sol de ferver miolos
um sol de cozinhar o juízo
um sol de rachar o crâneo
estávamos bem e contentes
paramos no parquinho à saída da cidade
você brincou brincou e brincou
até ficar exausta
você comeu seu batom garoto do dia
e seguimos
com nosso automóvel de asas e sonhos
com nossas certezas de que estávamos seguindo o caminho certo
e sem saber que anos depois voltaríamos a ter um colar de âmbar entre os dedos
e sem saber que Ian morreria no mesmo dia em que nascera
e sem saber que os fascistas dominariam o horizonte
e sem saber que seguiríamos sorrindo e caminhando pelas estradas
sua boca suja de batom garoto e farofa e esperança
arrancamos pela estrada, cruzamos a ponte:
eia Cachoeira!
paramos no jardim grande
você brincou e brincou e brincou
seguimos pro Curiaxito
comemos paçoquinhas de amendoim na dona Rita
guardamos as pedras de âmbar em algum lugar que nunca voltamos a encontrar
enterramos Jabuticaba nas águas do rio
junto à tartaruga de pelúcia que saltou das suas mãos quando cruzávamos a ponte
anos depois recebemos outro colar de âmbar
que algum dia se partirá também
faz tempo, muito tempo
que é e não é dezembro
que é e não é natal
que tudo acaba e recomeça e tornar a acabar
girando girando girando
como as estrelas acesas no céu que nos protege...
nuno g.
Toróró, 10 de dezembro de 2024.