terça-feira, 10 de dezembro de 2024

colar de âmbar

estávamos no supermercado são paulo, na sessão de queijos, frios, embutidos e defumados

quando o colar arrebentou e entendemos que estávamos crescendo

                                           e entendemos que mais um ano estava findando
                                        
                                           e entendemos tudo que havia para entender naquele instante

faz tempo, muito tempo

que o colar de âmbar arrebentou e exigiu de nós a estranha firmeza dos dezembros

       apesar de não ser dezembro, apesar de nada recordar o natal
       
       apesar de toda a vice-reinal burocracia que sustenta o mundo

       apesar da infernal burocracia que se interpõe entre o ser e o vir-a-ser

faz tempo, muito tempo

que o colar de âmbar arrebentou

recolhemos cada pedra, fizemos a feira, compramos guloseimas

comemos churrasquinho na porta do super

com farofa e vinagrete

    e foi como se comêssemos nuvens de algodão e minerais

    e foi como se talhássemos o futuro

    e tudo o mais que teríamos que atravessar até que dezembro se tornasse passado

com todos os seus mortos e todas suas memórias de mortos

estávamos no supermercado são paulo

compramos pães, carne, cuscuz e tapioca

você andava num carrinho acoplado ao carro do supermercado

do outro lado da rua a casa da cultura

no céu um sol de ferver miolos
         
           um sol de cozinhar o juízo

           um sol de rachar o crâneo

estávamos bem e contentes

paramos no parquinho à saída da cidade

você brincou brincou e brincou

até ficar exausta

você comeu seu batom garoto do dia

e seguimos

com nosso automóvel de asas e sonhos

com nossas certezas de que estávamos seguindo o caminho certo

    e sem saber que anos depois voltaríamos a ter um colar de âmbar entre os dedos

    e sem saber que Ian morreria no mesmo dia em que nascera

    e sem saber que os fascistas dominariam o horizonte

    e sem saber que seguiríamos sorrindo e caminhando pelas estradas

sua boca suja de batom garoto e farofa e esperança

arrancamos pela estrada, cruzamos a ponte:

eia Cachoeira!

paramos no jardim grande

você brincou e brincou e brincou

seguimos pro Curiaxito

comemos paçoquinhas de amendoim na dona Rita

guardamos as pedras de âmbar em algum lugar que nunca voltamos a encontrar

enterramos Jabuticaba nas águas do rio

junto à tartaruga de pelúcia que saltou das suas mãos quando cruzávamos a ponte

anos depois recebemos outro colar de âmbar

que algum dia se partirá também

faz tempo, muito tempo

que é e não é dezembro

que é e não é natal

que tudo acaba e recomeça e tornar a acabar

girando girando girando

como as estrelas acesas no céu que nos protege...


nuno g.
Toróró, 10 de dezembro de 2024.